sexta-feira, julho 13, 2007

geleira cucaracha _ cap. 5



Ainda envolto em sofreguidão, frei Olavo não percebe a aproximação da noite que, além da habitual melancolia, desta vez também traz um incômodo e azedo sabor de que lhe faltou macheza na hora em que mais deveria ser macho em toda sua vida. Fosse para encher o travecão de porrada; fosse para pegá-la forte nos braços e tascar-lhe um beijo que a faria, enfim, sentir-se mulher plena e realizada.

Do lado de fora dos muros da clausura, deitada sobre a bancada rota de seu camarim de estrela, Julli chora compulsivamente por ter deixado o homem de sua vida escapar-lhe das mãos sem, ao menos, tê-lo convidado para assisti-la naquela noite.
Justamente a noite em que o pinto não pulará à simples menção do nome “Genésio”.

“Ai minha santa Alcina, que faço eu? Era só o que me faltava, à essa altura do campeonato, perder meu sono por causa de um… padre!?!”

Felizmente, a elocubração é interrompida pelo assistente de palco que bate à porta e diz: “Julliard, minha star, faltam 5 minutos!”.

O show daquela noite foi totalmente dedicado ao padre sem nome, ao estranho de batina que arrebatou o coração da estrela que brilhava no palco, como sempre (só que desta vez, com o pinto no devido lugar durante os 60 minutos que duraram o espetáculo).

E, ainda nos jardins internos do Mosteiro São Patrício das Causas Ambíguas, frei Olavo também se dedica àquilo que mais sabe na vida: orar.
Orar muito, com afinco e sangue, novenas intermináveis, todas dedicadas à meretriz sem nome, à estranha putana com volume entre as pernas.

quinta-feira, julho 12, 2007

geleira cucaracha _ cap. 4



É uma manhã calorenta em Cataguazes e finalmente frei Olavo terá que sair da clausura.
Dom Perignon ordenou que manteiga fosse feita e o encarregado de comprar leite do vaqueiro seria impreterivelmente frei Olavo.

“Creemdeuspai! Essa criatura vai criar limo aqui nesse monastério. Oxalá o vaqueiro fosse vaqueira e levasse essa pobre alma pros caminhos tortuosos da carne! Hehehe”, desabafa o pontífice com seus botões de ouro. E dá-lhe sinal da cruz.

Bem a contragosto, frei Olavo sai à rua com suas vestes espartanas, sandalinha de capotão e o cabelinho tigelinha. Desaprendeu a andar sob o sol e não suporta a idéia de ver gente ordinária vestida com roupas ordinárias.
No fundo é um esnobe que teve a sorte de ser abusado em tenra idade e ter a vida toda para se eximir de seus pecados. Mas a mente continua pecaminosa e preconceituosa.

Ao passar em frente ao Bombshell, o famoso puteiro, revirou os olhos e acelerou o passo. Lembrou das histórias que tia Zuzu lhe contava ao pé do ouvido enquanto lhe conferia a fimose lá pelos idos de 1979.
Mas o destino prega peças até no mais cristão dos homens e, bem na hora em que suas sandalinhas de capotão chutavam um pedregulho em direção à placa de “aceitamos pré-datados”, eis que surge das profundezas do inferninho: ela… Julliard Bombshell!

Nota de rodapé: Não. Julliard Bombshell não é puta de jeito maneira. É fina e conceituada demais pra isso.
Coração bom que é, Julliard –aka Julli- veio trazer bombons à sua mestra e gurua espiritual Crystal Ametista que finalmente conseguiu financiar sua operação de mudança de sexo aos 66 anos, muito bem conservados. “Pelo menos não vou ter que dar satisfações aos bofes sobre o porquê eu nunca compro modess no supermercado: pra todos os efeitos, tô na menopausa. Hahaha”, brinca a nova dama do pedaço.

Olavo e Julliard.
As duas almas se chocam num encontrão digno de briga de galo. Não fosse frei, Olavo chamaria a bicha na chincha, mas Julliard não viu nenhum infortúnio no encontro casual.
“Perdão… não a vi saindo pela porta. Machucou?”
“Infelizmente não. Adoro religiosos fundamentalistas que vêm com tudo e nos derrubam e nos destroem e nos deixam em frangalhos!”
“Como é?”
“Brincadeira, fofura. E você, tá bem? A batina não subiu? Tá tudo nos conformes?”

Ao ouvir tais palavras picantes saídas de boquinha tão carnuda, frei Olavo, obviamente, sofre uma ereção.
E olha que, precavido que é, entregou-se ao exercício do onanismo duas vezes antes de sair às ruas já pressentindo as tentações que encontraria pelo caminho.
Isso que ainda nem chegou perto do vaqueiro ou vaqueira ou o que for que lhe dará o leitinho morno.

Fugindo mais rádipo do que freira em saldão de minissaia, frei Olavo retorna ao mosteiro e se tranca em território sagrado mandando às favas o leite, a manteiga e a vaqueira(o).
Ofegante, pega o terço e começa o rosário ali mesmo nos jardins internos da casa de Deus.

“Espere Dom Perignon saber disso!”, ecoa a consciência dentro de sua cabeça cheia de pensamentos pecaminosos.

sexta-feira, julho 06, 2007

geleira cucaracha _ cap. 3



Faz dez anos que Olavo Cerqueira não sai na rua.
Por opção própria, fez voto de pobreza, clausura e burrice.
Desde que entrou no Mosteiro São Patrício das Causas Ambíguas, fica a seguir seus superiores em busca de iluminação em maior ou menor grau. Isso irrita Dom Perignon num grau que, se Olavo soubesse, ficaria sentado em espiga de milho por sete dias.

Antes de se decidir pela vida abnegada dos franciscanos, Olavo era um garoto vivaz e com a sexualidade em dia. Já estava aprendendo a lidar com as ereções fora de hora e ao poucos ia se sentindo orgulhoso com o comprimento de sua genitália. Enfim, um garoto normal.
A problemática surgiu de fato quando a mãe, dona Crotilde Cerqueira, trouxe para dentro de casa Zuleica Mendonça, a criada-cozinheira-babá.
Zuleica se mostrou de uma eficiência ímpar, deixando a casa um brinco como jamais Crotilde fora capaz.
Com tudo reluzindo, os estômagos forrados com iguarias mineiras divinas e o pequeno Olavo tratado a pandeló, não demorou para Zuleica ser sumariamente integrada como um membro da família Cerqueira.
Assim, Zuleica, a criada-cozinheira-babá, virou tia Zuzu.

Olavo se lembra desses tempos dourados com um misto de medo e fascínio. Ele vivia o auge da testosterona que deixa meninos em tenra idade com vontade de escavar poços de petróleo no colchão; e o boom do crescimento econômico brasileiro deixava tudo muito mais tesudo, afinal de contas.
Mas daí pra frente, um black se instala em sua mente e Olavo se apressa em fazer o sinal da cruz.

Tia Zuzu gostou do rapazola desde a primeira vez que repousou os olhos em seu rostinho de fada e na bundinha arrebitada demais para um viril.
Tia Zuzu era lésbica e isso seria óbvio e ululante, caso os Cerqueira soubessem da existência de uma lésbica no mundo.
E, entre uma fornada de pão de queijo e uma tijelada de vaca atolada, Tia Zuzu foi transformando o pequeno Olavinho numa mini-princesinha Caroline de Mônaco: cabelinhos castanhos, olhinhos verdes, tiarinha de brilhantes, vestidinhos rodados e sapatilhas de strass. Isso, é claro, na ausência de Clotilde e Jayme Cerqueira.

Ao todo, foram sete anos de subserviência regada a incríveis doses de dor e prazer. Transformar aquela belíssima criança em escrava sexual fazia a desalmada da Tia Zuzu ter faniquitos internos de êxtase. Dava pra ver na sua cara o orgasmo chegando e culminando no derradeiro babyliz em cima do cocoruco do Olavinho.

Mas num belo dia, Olavinho não aguentou a humilhação e tentou o suicídio da maneira mais estapafúrdia a que se tem notícia.
Depois, especialistas se puseram a justificar tamanho desatino como uma tentativa desesperada de chamar a atenção dos pais ausentes e se aproximar de Deus que, até então, via a tudo de cima e de longe.
Neste belo dia, Olavinho acordou como de costume, foi à cozinha e praticou o auto-empalamento com o mixer de fazer vitamina.
Detalhe: esqueceu de ligar na tomada, ou seja, o que deveria ter se tornado uma auto-chacina interna, se transformou numa patética ação sodomita daquelas que residentes em plantão morrem de dar risada ao contar para todos os conhecidos o que eles são obrigados a tirar da bunda de terceiros.

Mas pelo menos, pra uma coisa serviu esse episódio horrendo: Tia Zuzu foi mandada às favas (devidamente algemada) e Olavinho mandado para o Mosteiro São Patrício das Causas Ambíguas com sua almofada de espuma, que acabou nem usando, já que lá, as pessoas não sentam, ajoelham.

geleira cucaracha _ cap. 2



O nome Julliard, Jerônimo tirou da conceituada escola de dança e artes de NYC onde, obviamente, ele nunca colocou os pezinhos.
Jerônimo, a bem da verdade, nem sabia ao certo o que isso significava . Só sabia que a Claudia Raia citou este nome numa entrevista à Marie Claire e ele nunca mais esqueceu.

Já Bombshell era o puteiro de onde saiu Crystal Ametista, a boneca que introduziu Jerônimo no mundo das “artes e espetáculos”.

Depois de ensaiar todo o repertório rico de Maria Alcina, Julliard finalmente tomou coragem e fez seu debut ao grande público no Clube Atlético Cataguazes sob fortes palmas e assobios da ala masculina da cidade carente desse tipo de diversão.
As mulheres, claro, torceram o nariz a princípio, mas depois do bis de Kid Cavaquinho, a famigerada canção, não havia mais uma bacurinha sossegada no salão.

Ali nascia a estrela: Julliard Bombshell.

Pronto! Estava feito o mito!

“Ela tem pinto!”, ouvia-se daqui.
“E que pinto!”, dizia-se d’acolá.

geleira cucaracha _ cap. 1



Toda vez, bem na hora do pulo do “Genésio... a mulher do vizinho sustenta... aquele vagabundo”, o pau sai do lugar e quase põe tudo a perder.

“Puta que pariu! Tenho que resolver isso hoje de uma vez por todas”.

Essa é a prioridade atual nos assuntos cotidianos de Julliard Bombshell.

Julliard Bombshell vem a ser a grande estrela de Cataguazes, cafundó de Minas, e é famosíssima nas redondezas por imitar Maria Alcina como ninguém.
Maria Alcina, como sabemos, é a segunda estrela de Cataguazes e, por infelicidade de Julliard, Kid Cavaquinho é o maior hit da carreira da moça e não tem condição de algum show da original ou da cópia mais famosa que a original acontecer sem esse maldito número.
De modo que ontem foi a gota d’água e, sem uma solução pro pau que pula na hora do “Genésio”, não tem show hoje. E ponto final.

Julliard não nasceu Julliard, obviamente.
Jerônimo Rosa sabia desde pequeno que era diferente. Diferente de tudo: meninos, meninas, homens, mulheres.
Assim sendo, resolveu desde cedo explicitar essa ambiguidade pra quem quisesse ver e andava pelas ruelas da cidadezinha em plumas, paetês e penachos encaixados por todos orifícios do corpinho mignon.
Num belo dia, o click definitivo sobre o futuro veio quando a Maria Alcina, em carne e osso, veio por trás e disse com aquela voz de furacão: “Mas que criatura! Quando crescer você vai me engolir de plataforma e tudo! Hahaha”.
E assim foi feito.